A retratação de mulheres nos videogames foi alvo dos
estudos de Anita
Sarkeesian, uma moça adepta do feminismo que busca explorar os clichês e
deslizes dos criadores de universos fictícios. Em 2012, Sarkeesian lançou uma
campanha de crowdfunding via Kickstarter, pedindo por US$ 6 mil para sua
pesquisa – ao final da campanha, o que acharam a proposta interessante e válida
apoiaram o projeto, o fazendo atingir US$ 159 mil.
Uma
mulher levantando a voz perante a preguiça dos arquétipos das personagens
fictícias é de extrema importância. Vivemos em mundo no qual dados como “45%
das mulheres jogam” (segundo a The
Entertainment Software Association) não podem mais ser ignorados em
prol do soldado carequinha que nasceu para salvar o mundo. O plano de
Sarkeesian era gastar as quantias arrecadadas com a campanha e criar séries de
vídeos que exploram essa temática – a produção, o catálogo de jogos originais
utilizados como fonte, tudo, segundo Anita, minuciosamente planejado.
Sarkeesian não levanta a voz em nenhum momento acerca da
qualidade dos jogos, apenas sobre a assustadora frequência do uso de donzelas
em perigo, garotas sexualizadas e até mulheres na geladeira (termo cunhado pela
artista de quadrinhos Gail Simone ao expressar seu desgosto a uma cena de uma
história de Lanterna Verde, em que Hal Jordan topa com sua namorada mutilada
dentro de um refrigerador).
Na prática
Uma maneira prática de testar o viés relacionado ao
gênero é aplicar o teste Bechdel. Desta vez, a responsável pelo termo é a
cartunista Alison Bechdel, que criou um método bem simples de avaliação: caso
duas garotas mantenham um diálogo que não envolve uma figura masculina, o
filme, game, livro, quadrinho ou qualquer outro tipo de mídia, passou. Existe
uma biblioteca com os aprovados no bechdeltest.com,
mas vale lembrar que existem limitações óbvias atreladas ao teste. O que vale
para jogos também se aplica a outras produções: podem não haver papéis
relevantes para mulheres, mas a constatação não desqualifica a qualidade das
obras.
A resposta do mercado
Existem contra argumentações, claro. A maioria mora no
âmbito financeiro. Há quem diga, na cara de um desenvolvedor, que não tem
cabimento fazer um jogo protagonizado por uma mulher que possui interesses
amorosos. Seria complexo para os jogadores homens e heterossexuais se sentirem
“na pele” da personagem, como foi o recente caso de “Remember Me”, que
traz Nilin como heroína. Jean-Max Morris, diretor do jogo, contou ao site PennyArcade que a
história de Nilin foi rejeitada por diversas distribuidoras, que se negaram a
publicar um jogo encabeçado por uma mulher – ainda mais uma que se atreve a ter
relações afetivas. A entrevista de Morris comprova a necessidade de maturidade
dentro da indústria: “Se
você pensa assim, os jogos nunca vão poder evoluir”.
Outro dos casos recentes é relativo a Naughty Dog e seu
blockbuster “The Last of
Us”, lançado há pouco tempo para PlayStation 3. O
enredo tem como grande foco a interação entre os personagens e o diálogo dessa
história com o restante do mundo pós-apocalíptico que dá pano de fundo ao
título. Em grande parte, o foco é Joel, um cinquentão que está sobrevivendo a
sua própria maneira, até que Ellie, uma garota de 14 anos, entra na sua vida. A
capa é ilustrada por ambos personagens, mas, de acordo com Neil Druckman,
diretor criativo da obra, houve muita pressão para forçar Ellie em um segundo
plano, sem tanto destaque.
Reação inesperada
Antes mesmo de seu primeiro vídeo sobre o tema ser
lançado, em março de 2013, Sarkeesian foi alvo de quem não ficou contente com
as mudanças propostas. As duas citações acima, retiradas do Twitter, são
direcionadas a feminista e expressam parte da reação do público. Os exemplos
expressam que a argumentação, de maneira muito paradoxal, deixou de ser sobre
videogames e se tornou algo pessoal contra Sarkeesian, que teve seus dados
expostos, edições em sua página da Wikipédia e, de brinde, um jogo em
flash que disponibilizava uma versão digital da feminista que poderia apanhar
de diversas maneiras.
A ironia é como a discussão sobre misoginia e sexismo na internet logo se torna
uma demonstração sem proporções do próprio assunto posto em pauta. É quase como
ver as palavras do sociólogo Allan G. Johson, em seu livro “The Gender Knot”,
se tornando realidade.
A luta de Sarkeesian não é contra os homens. A
agressividade perante os motivos dos vídeos é quase uma comprovação dos efeitos
pedagógicos da cultura pop na mente dos que consomem os produtos – como se, de
fato, uma história sobre uma princesa que salva a si mesma fosse absurdo
demais. As empresas criam universos fictícios gigantescos, com suas próprias
sociedades, economias e personagens únicos, mas é raro ver uma garota não ser
tratada como ferramenta de enredo.
FONTE: Todos os direitos reservados ao site BRAINSTORM9.